quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Let me forget about today until tomorrow

Vesti meu melhor sorriso pra te encontrar na madrugada, na quietude dos passos vagarosos e tamborilar dos dedos febris. Você só deixou o silêncio e isso me apavora.
Deixei a luz acesa pra brincar com as sombras na parede. Dancei como fumaça que sai da boca e voa leve pra todos os cantos. Fechei os olhos, perdi o medo de ficar presa na minha cabeça. Chamei teu nome, bebi um pouco de vinho. Mais um gole. Um pouquinho mais. Fiquei bêbada e acendi um cigarro.
Deitei no chão e percebi que o céu só é bonito quando você está nos meus braços. 

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

We'll be nothing but dust

E lá vem essa tristeza me tomar o peito, parece até minha dona. Mal sei eu de mim, como podes saber? Mais uma vez veio me atormentar.
Dor agonizante, quase fura. Faz sangrar minhas veias de defunto. 
                                                                    Morro pelo sopro como se fosse vela.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Atrás dos livros

Tu arrumou as coisas, me enfiou na mala e foi. Desejava conhecer o inesperado, sentir a brisa do mar e fugir da selva de concreto. Me deixou ali pois sou desajeitada demais. Rodopio feito inseto ao redor da lâmpada, posso quebrar algum outro coração.
Tu me esqueceu no amontoado de decepções que esconde atrás dos versos bem escritos e rimas sobre seu velho amor. Empoeirei.

                   Tu me soprou e guardou outra vez.

domingo, 23 de junho de 2013

De trapos limpos

Faço de mim berço pro poeta bêbado-vagabundo que decidiu morar na rua e fazer da lua seu abajur. Levava consigo indagações sobre o que foi e quem era (mas deixava suas escolhas decidirem o que seria), uma caneta que nunca falhava, um pequeno caderno e o peso do céu.
Vomitava versos de amor não correspondido e entregava flores aos transeuntes. Gostava de conversar com os pombos e bater as asas, fingia ser um deles quando se sentia só. 
De agasalho cinza surrado e sorriso grudado na boca, estampou a primeira página do jornal da cidadezinha. "O louco que mendiga carícias" dizia a manchete.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

E o resto é chorar

Preparei pro jantar toda a amargura que me afoga o peito. Sentei-me no jardim e devorei um prato cheio. Deixei o rádio ligado e ele insistia em cantar "eu amo você", como quem diz pro mundo não esquecer de sorrir. Dos olhos quase secos vieram lágrimas choradas num adeus sem tchau, sem abraço dado. 
Lembranças tuas eu guardei num cesto de solidão e mandei incinerar. Tua imagem não ganha forma, são traços turvos que a memória às vezes traz. Algum dia me descuido e deixo o vento varrer de mim as cinzas que ainda sobraram de nós.
Meu bem, amor requentado não vai curar o que você me fez.

sábado, 1 de junho de 2013

Depois

Sou um fantasma vagando pelos bares. Não causo medo, só espanto companhia. Provoco tédio e bocejo. Provoco tua ira, teu lado ruim. Te provoco e corro.
Meu coração de passarinho bate mais rápido que as asas do beija-flor. Pontiagudo, me furou o peito. Mostrou em mim espaço que tua presença deixou. Faço desenhos e rimas dentro do vazio teu, versos sobre o que a gente foi e o que devíamos ser. Versos de solitária pra você dar o nome.
Me olho no espelho, respiro, fecho os olhos e murmuro um pequeno faz de conta. Uma mentira contada várias vezes é capaz de persuadir. 

segunda-feira, 20 de maio de 2013

De se descalçar pra caminhar

Guardo os sentimentos à flor da pele. Cada centímetro do corpo, cada lágrima, toda a dor e toda gargalhada, cada letra de toda palavra. Porque você é o que você sonha, e eu sonho o impossível. E quando se sente, tudo se torna real. Pois de nada vale a vida se você correr.
De pranto em pranto, melancolicamente alegre, meus olhos tristes dão as mãos. Sou alma, amor e tristeza. Sou a menina que entende quase nada e sorri olhando a lua.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Me equilibrando no meio-fio

Me escondia atrás de laços frágeis. Fui feita de nós que ninguém quis desatar. Me escondia numa fábrica abandonada, parte do cenário de um romance em construção. 
Perambulando pelas ruas outro dia, de manhã cedo, comprei felicidade de uma criança que vendia no semáforo. Veio em forma de imã mas eu ainda não coloquei na geladeira. Deixei na mochila e, desde então, ando sendo feliz por aí. 

domingo, 14 de abril de 2013

Ecoa

Se a leveza de seus pés soube se esconder, onde se fixou? Diz-me o que fazer, me perturba ouvir o choro quieto de seus movimentos a noite inteira.
Com o desenrolar dos fios ninguém te alegra, ninguém te pune, ninguém te assombra. Você nota que os teus medos se esvaíram, tornaram-se pó escondido embaixo da mobília velha. Não mude nada de lugar.
Foi feita em página rasa uma sinopse de tudo o que já viveu: analogias banais e palavras retiradas do dicionário para que você pareça ser bem mais do que realmente é. Você não passa de uma mentira bem estruturada.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Dois passos e alguns centímetros mais

Infindável sonho preso atrás das grades do cotidiano. Parada no sinal vermelho que não quer esverdear busco alento para os pulmões deficientes. Nas minhas veias corre sangue morto, nas ruas sobra apatia. Onde essa estrada cheia de buracos vai findar? Ilustro os dias neste diário com letras de cabeça pra baixo.
Estava deitada enquanto ela assistia tudo encostada na porta do quarto. Me observava cair num plágio do vazio existencial, uma overdose de abutres falantes e bitucas de cigarro. Eu fitava os olhos dela como se fossem minha cura.
Nunca vi o mar, nunca pulei sete ondas no réveillon, nunca fiz oferenda pra Iemanjá ou senti areia nos pés. Nunca vi o sol nascer ou se pôr, nunca agradeci por mais um dia. Eu nunca rezei antes de dormir.
Quando se está à beira do abismo e tua vida vira um curta resumido em quinze minutos não se sente tanta esperança no peito. Não existem mãos pra te segurar. É só você e o grande eco do teu grito.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Feito canção francesa


Me renovo ao adentrar o recanto das auroras celestiais. Desperto com o canto do vento que abre a janela e ultrapassa as cortinas até chegar ao meu ouvido. Suave como um beijo da pessoa amada.
Dei minha mão pra cigana ler. Ela me disse que as palavras estavam ali, mas não faziam sentido. Não sabia o meu destino e eu agradeci. Dei-lhe um abraço e ela rejeitou meu dinheiro. "Guarde-o e volte quando conseguir sorrir".
Aproveitei meu nada saber e brinquei de ser criança. Dancei na chuva sem medo de ficar gripada, olhei pro céu e cantei sussurros de amor pras gotas d'água. Quase fui até tua casa te chamar, mas lembrei que não é feriado e que você pediu pra eu me afastar. Não lembro bem o motivo, e já não faz diferença.
O circo veio pra cidade e eu vou te levar lá. Deixa chegar o fim de semana, sei que você odeia os sábados e dorme o domingo inteiro. Odeio palhaço mas você acha graça, então vale o esforço se teus olhos vão sorrir.
Vou pedir pra tua mãe não avisar, vou levar café da manhã bem cedinho no teu quarto. Chá verde, suco de laranja, café sem açúcar e bolo de cenoura. A gente almoça pizza e come pipoca doce, como fazíamos antes. Não tô pedindo beijo, quero só teu afago no cabelo.
Quando a tarde chegar e o roxo colorir tua fotografia, você vai lembrar a razão que um dia te fez me amar.

domingo, 17 de março de 2013

De malas prontas no meio-fio


Sou uma contradição que o destino colocou na tua calçada, com fumaça transbordando pelo peito. Pedi abrigo e tu hesitou, certa de que não aguentaria tal fardo. Depois de considerar, acreditou que eu pudesse ser teu mais nobre ato, tua redenção. Quão ridícula se sente agora? 
Trago tristeza nos olhos. Tentaste me salvar da melancolia sem entender que é meu próprio ser. Respiro dias nublados, sobrevivo com falência múltipla dos sentidos. 
Sinto teu cinismo ancorando sem pedir licença. Bagunça meu cabelo e minha psique, só não faz estrago no meu coração. Ele é muito sábio pra se deixar abater. Pode ser que eu não tenha me adaptado à paisagem que me faz cenário. Meu corpo aqui, a mente lá. Vagando por um lugar que não habitei, mas que vivi. Faz sentido? É claro que não, tu não entende de sonhar.
Teu bom senso é preocupante, só quer saber de fatos e não encara o mundo com sorriso no olhar. Palavras pensadas, atitudes calculadas por anos. Qual o problema em se deixar levar? O rio de mágoas tem correnteza, se teu barco não furar pode ser que ela te leve até tua morada. Tu poderá me encontrar por lá, chorando de alegria por te ver, ou sorrindo de solidão latente.
Tentei te mostrar a beleza das árvores sem folhas, do sopro gelado que a madrugada às vezes dá, e tu só fez se cobrir com o edredom. Implorei por companhia, mas não consegui atracar no teu cais. 
Minha presença não faz diferença na tua agenda lotada. Não tenho apreço então te peço: vê se te lembra de mim.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Sobre as cicatrizes no braço esquerdo

Sou fruto de um erro que você cometeu aos vinte e quatro e carrega por longos dezenove anos. Desculpe a estadia, sei que sou hóspede e gasto mais do que lhe dou em troca.
Te escrevo na esperança de que num surto você leia. Besteira, a novela é muito mais interessante que as linhas do meu caderno. Teus olhos não desgrudam da tevê, mesmo que minhas palavras batam em teus ouvidos insistentemente. Mas você não precisa me ouvir, tem problemas demais e eu sou a maior causa deles. Não, você não precisa me ouvir, sou complicada demais. Triste demais e nem tenho razão pra ser assim. Você nunca notou, nunca olhou pra mim. Deixa pra lá, o psicólogo resolve.
Sou diferente demais, só uma criança buscando por atenção. Quero te contrariar, te irritar, ouvir o quanto me odeia. Todos os dias, mais de uma vez. Você se arrependeu, eu entendo. Perdoe-me por não ter sido uma boa filha.
Se minhas risadas te entristecem, não tenho motivo pra olhar pra trás.

terça-feira, 12 de março de 2013

Vai ser melhor quando te conhecer

Milhas de incerteza permeiam meu coração. Um punhado de tristeza e insegurança, é isso que tanto se busca? O que vendem na tevê não é amor, é propaganda para que mais remédios contra depressão sejam vendidos.
Eu era totalmente cética até você cruzar a sala e me alcançar o olhar. Tua boca de sorriso inteiro, sem migalhas de solidão. Ao te observar, me senti viva pela primeira vez. Me tornei sua.
Sem notar, construiu uma fortaleza impenetrável barrando minha entrada. Eu, que só queria enrolar teu cabelo nos dedos. Me amarga o gosto saber que nossos lábios não terão o encontro perfeito.
Não me importaria em passar horas numa palestra sobre cálculos se teu braço estivesse na cadeira ao lado, esbarrando de leve no meu.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Almoço em família

Dona da melancolia, a menina de vinte cigarros por dia se convenceu de que estava em depressão. Ninguém a questionou. Começaram a encontrar motivos para o alento afrouxar. As cicatrizes se foram quando ela aprendeu a tragar. Era suicida, mas covarde demais pra tirar a própria vida. Preferiu a morte em parcelas.
Amordaçaram-na para que seus problemas não escapassem da cabeça. Imagina o alvoroço que causariam? Bastavam as contas no fim do mês, mais um tormento sua mãe não iria aguentar. Taparam também seus olhos para que a tristeza não afetasse o bem-estar da casa. "Onde já se viu atrapalhar felicidade alheia? Que sofra em silêncio, egoísta."
Viveu por dois meses e três semanas com a compainha das paredes mal pintadas de seu quarto. Completamente nua e de sapatos azuis. Ninguém notou quando seu corpo saiu pra passear. Trancafiou sua alma e coração num pote que deixou na esquina. Precisava de um pouco de paz.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Meu sonho de pequena quebrado em mãos miúdas



- Que tanto vens à minha casa, menina?
Minhas palavras foram tomadas pelo susto. Era suave e sereno o som da voz da mulher do dono da livraria. Disse-lhe então, após um breve suspiro, o que sua filha havia me prometido. A menina não aparentava medo. Na verdade, seus lábios carregavam um sorriso de canto, maldoso como seu próprio ser.
- Por que não compras o livro? Disse a mulher que não me olhava nos olhos. Parecia distante e triste.
- Minha sede de leitura não é proporcional ao que tenho no bolso. Por favor, dê-me apenas um dia com o livro. Termino ele todo, lhe juro.
- Não posso lhe dar o que não é meu. Contente-se com o jornal diário, as placas de trânsito e os livros escolares.
Comecei a choramingar feito recém-nascido. Tentei falar mas minha boca não obedecia. Nem ela acreditava em tamanha crueldade.
- Vá para tua casa, menina.
Ela disse e bateu a porta de seu casarão.
Naquela manhã de dias seguintes, não consegui pular amarelinha nem meio-fio. Voltei pra casa e me hospedei na rede, lá na varanda mesmo. Deitei pra contar as estrelas do céu. Contei pra elas meu desespero e adormeci ouvindo seus conselhos.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Volta pra cá, Zé

Zé não era um sujeito amargo como os adultos que eu conhecia. Dono de livraria, gostava de recitar Vinicíus, Neruda e Fernando Pessoa pra esposa que não entendia nada e não gostava de ouvir. Cantarolava João Gilberto e Chico quase sempre, às vezes Nara Leão e Cartola. Passava a maior parte do tempo em sua loja, contando causos e histórias de ninar para as crianças que viviam lá. Tinha um filho, mas ele não se interessava pelas linhas de capa grossa. Preferia a tevê e o videogame que não dividia com ninguém.
Homem feito, se alimentava de esperança em dias seguintes. Acreditava não ser o único a tentar mudar visões distorcidas pela sociedade. Guiava a vida com crenças num mundo melhor.
Ele ia a praia construir castelos de areia pro mar destruir. Ria sozinho e conversava com as ondas. Adorava chuva pois logo depois o arco-íris pintava a paisagem. Agradecia a Deus por não tê-lo feito de barro. Tinha alma e coração, e não se esquecia disso.
Caminhava pelo centro da cidade e se sentia infeliz por ver tantos prédios no alto do céu. Mais infeliz ainda, pelos amigos que não conhecia presos nos escritórios atrás das janelas. Preferiu não aprender a dirigir, pedalava pelas ruas pra sentir o vento secar o suor da camisa e as lágrimas do rosto.
Lembro bem do dia em que Seu Zé não apareceu na livraria. Lembro da semana inteira sem ouvir sua voz carinhosa. Lembro de minha mãe dizendo que ele havia ido pro céu conversar com os anjos. Lembro de pensar que Deus era muito egoísta por tirar de mim meu melhor amigo.
Quando vi Seu Zé todo pálido e de terno preto, não acreditei que era ele. Sorri e comecei a pensar "Eles estão me enganando, deve ser outra brincadeira do Zé". Minha mãe disse que era desrespeitoso sorrir em enterros, e que eu devia me despedir do dono da livraria. Quando olhei pra ele logo vi seu sorriso dócil e pensei: Deus, teus dias agora serão maravilhosos. Só não se esqueça de mim, Zé.

E se a vida só me der um olho roxo?

Eu sou uma bomba relógio com o cronômetro perto do fim. Sou uma bomba relógio que começa no dez e cai rápido demais. Deve haver algum fio solto.
Sou um caderno despejando confusão deitado no divã de um psicólogo qualquer. Vez ou outra tropeço em sentimento novo.
Minha dança suicida se tornou flerte prejudicial. Como sair desse tango quando me parece ser o mais conveniente? É um compasso muito fácil de aprender, basta seguir o que a lâmina propor.
Sem alarde, sem desespero. Sangue vermelho quente é o que mais gosto de usar. Pingando pelos cômodos da casa, direi adeus quando o último acorde tocar.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Esqueça de lembrar

Sinto a angústia permear minhas veias que saltam na pele tentando escapar. Urram de agonia buscando um meio pro fim.
Sei da discordância de teus olhos claros borrados. Uma aquarela de duas cores: verde e preto. De que adianta remoer um fardo tão grande? Deixa pra lá que o vento varre pra debaixo do tapete.
Em pequenas linhas escrevo a mais extensa nota de rodapé: ela não vai voltar. Repouse a desordem de teu peito, lave o rosto e enxugue o coração. Você merece mais que promessas.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Depois do vasto campo de girassóis

Primeiro veio a luz, e um monte de lamparinas acesas. Podia ser um daqueles bang-bang de faroeste, mas na vila nem havia xerife. Sentado à beira da estrada, vi um velho maltrapilho com chapéu de palha, mascando fumo e rindo pra senhora na cadeira de balanço. Eles observavam vidas. Era uma dessas cidades pequenas em que todos se conheciam, do íntimo ao fútil, ninguém escapava. 
Não tinha eletrecidade nem contato com a civilização. Quando a noite chegava dava pra sentir a cera da vela queimar. Famílias se reuniam pro jantar e de sobremesa ouviam histórias de seus avôs e avós. Histórias que serão contadas pelos filhos deles, e pelos filhos dos filhos, até o último respiro de gerações. Nosso legado é o que a gente conta.
Dava pra ouvir o piar dos pássaros sem interferência de maquinarias e motores automobilísticos. Um verdadeiro sopro de sossêgo. As estrelas cobriam o céu inteiro, o ar era limpo e cheirava campo. A única fumaça do lugar brotava das fogueiras.
Não vou contar onde fica a cidadezinha do leste por medo que talvez você conte a outro alguém. Seria uma pena ver tal calmaria ser tomada pela ganância do homem branco moderno. Você só precisa saber que eu estive lá, em meu mais lúcido sonho de minhas quase duas décadas.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

João ninguém

Vivo no inferno e a temporada é de chuva, parece até piada do tempo. O dia amanhece escuro e traz neblina pros pulmões. Não faz brilhar o sol, as nuvens se tornaram a atração principal do céu.
Sinto saudade do circo, fazer parte do espetáculo. Mesmo sendo palhaço triste, do alto do trampolim observava a multidão numerada com o riso pronto pra escapar. De maquiagem borrada eu fazia graça e deixava o desespero berrar, rasgando os ouvidos de quem fosse capaz de entender. Assim fui minando cicatrizes literais de um corpo que não me pertencia. Ainda não sei o que fazer com as mãos, acho que nasci do avesso.
Vou me jogar na arena, sobreviver ao picadeiro. Quero ser necessário e fingir voar do precipício. Assim, alado, sem coordenar o vento. 
Ou me afunda de vez ou me joga na cama elástica, meu bem.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Deixa o domingo se perder

Levando noite inteira a dentro, tua vida terá gosto de cerveja quente. No teu cinzeiro, o que sobrou? Vão tentar te apagar, seja forte. Faça com que as cinzas se espalhem na sala de visitas, assim tuas memórias não viverão só em mim.
Acorda e vai buscar na geladeira o café da manhã: metade da maçã que escolheu ontem a tarde. Chinelos trocados e cabelo bagunçado, roupa do avesso e olhos pregados. Esqueceu que acordando tão cedo assim vai ter de fazer o almoço. 
Onde dá pra medir a felicidade? Achei que dava conta de contar teus sorrisos, porém a mágoa roubou a gargalhada das gargantas e não sei se o canto da tua boca conta como alegria ou se é disfarce pra enganar a solidão nos dias ruins.
Toma cuidado com esse mar escondido na tua pupila, tá transbordando, não deixe secar. Tome esse remédio que o médico me receitou. Acho que é pra ser feliz.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Os olhos verdes das noites de verão

Dentro desse tempo morno carícias são difíceis de sentir. O pêlo do braço não arrepia mais, o suor na testa desfila pelas rugas do rosto. Teu sobrenome não casou com o meu, não rima. Foi feito na forma de outro cartório, pra outra certidão.
Se você vier, chegue cedo. Sem dor, com a palidez da cor e sem contas pra pagar. Traga abrigo pros olhos secos, trague um cigarro e me jogue pra longe. Seja encruzilhada, desate os nós feitos de nós. Erga a cabeça e me faça mansa, me faça acreditar na sua tempestade de otimismo. Tire as amarras que te cercam, leia mais pro teu cérebro não parar. Não se deixe enganar, é fácil se perder em falsas crenças e promessas de pacote fechado.
Mas se te levanta o ego, me ajoelharei no milho pra pagar penitência. Se te fará correr, gritarei tuas migalhas aos quatro ventos. Serão quantos corpos até tua boca encontrar o meu?
É sagrada minha angústia pelas curvas do quarto esperando de luzes apagadas a contagem regressiva. Você vem ou não?

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Descendo a escadaria do morro

Olhei pro lado e a vi chorando de rir. De imediato não entendi por que havia tanta alegria contida nas lágrimas que vinham do sol. Daí então foi que eu percebi: não era sonho, a terra apenas tinha esquecido de girar. Caminhava lenta como dia de domingo.
Perguntei o motivo de tanta graça e ela respondeu: "São os labirintos dos poetas o meu maior objetivo. Você não vê? Meu romance ainda há de se escrever." 
Os lábios pequenos da menina de agasalho amarelo se abriam e fechavam sem fazer sentido, ainda assim, cismei em compreender. Disse: "Quem te escreverá? Além da cor de tuas vestes, sua insignificante existência nada tem a contar." A pequena criatura de mar nos olhos, sorriu: "Tu me escreverá por vários contos na cabeça antes de me tornar livro. Tu irá me procurar por entre casas e flores, com violão e vinil do Cazuza. Tu que me despreza, tu que já me amou." 
Nunca antes meu caminho cruzou o dela, mas a nudez de sua voz me fez tremer. Com o polegar direito me acariciou o rosto, saiu descalça, dançando na ponta dos pés. "Não quero sujar o calcanhar" gritou.