quinta-feira, 27 de setembro de 2012

É que o teu francês não me fazia bem

Eu te decifro como se fosse um mapa e te devoro sem deixar migalhas. É tão fácil te enlouquecer.
Deixe de ser tão piegas, tudo tem seu limite e você tem de concordar que eu aguentei demais. Muita poesia pra pouco gesto, e ainda esse teu lirismo equivocado de quem só quer dramatizar. Já chega de viver um conto teu.
O som das tuas palavras bateram na parede e chegaram frio aos meus ouvidos. Meu ponto de vista tem de ser considerado, afinal, não fosse eu, teu caderno amarelo acabaria no lixo com tuas tralhas todas. Tu vai me deixar na gaveta, embaixo da cama ou na mesa do computador.
Tens que parar com essa mania de pensar que está vivendo em Paris. Tua vida não é um roteiro de François Truffaut, nem foi dirigida por Woody Allen. Teu francês é péssimo, e se eu dou risada é do bico que tu faz com a boca quando cisma em cantar Coeur de Pirate. Tu desafina demais, melhor tentar outra coisa. 
É melhor que eu vá, não fui feita pro teu arco-íris, nem pra aquarela que teu otimismo derrubou em mim. Comprei teu cigarro, é besteira dizer pois sei que ele deve estar te guiando através das linhas desta carta. 
Poupe teu pranto, menina, chorar por qualquer coisa só empobrece as lágrimas.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Rabiscos de papel

Escrevo, com giz de cera, cantigas de ninar em portas vizinhas. Se eu pudesse, pintaria o espelho daquela senhora sem doce que mora no 217. Viver ignorando o que se passa ao redor é um suicídio.
Eram três da tarde e o céu chorava. Vi cada gota d'água caindo do alto pra lavar os carros, enxugar lágrimas e aconchegar em seus braços uma multidão de corpos quentes. Desfiz o nó da corda que me apertava o pescoço e fui chover. Fui correr no rio de mágoas que formava a rua e te encontrei numa poça qualquer em que afundei o pé.
Voltei pras palavras cruzadas e te vi, dessa vez numa dessas imagens desconexas de páginas amassadas que a gente só enxerga olhando pequenino. Deixei teu carinho acariciar meu rosto e colocar o cabelo atrás da orelha. Deixe a minha felicidade virar tuas notas de rodapé.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Eu posso tentar ser feliz agora

Fui pra fora e dancei meu dois pra lá, dois pra cá contigo. Tu riu do meu jeito desengonçado e foi ali que te ganhei. Até a chuva resolveu nos acompanhar, deu ritmo aos passos e rendeu uma bela fotografia pra enquadrar na memória.
Saia do sofá e pare de ver esses programas matinais, eles não vão te ajudar. Na tevê não há respostas, vá fumar teu cigarro.
Do meu amor você tem provas, tá escrito nas canções que o rádio não toca. Talvez seja só meu, e as lembranças tuas apenas vício guardado nos fios do telefone. Você desistiu cedo demais, guria, e eu ainda canto pra você. 
Ah, doce Sophia, a crueldade de teus lábios me borrou o batom. Eu te rasguei a roupa, mas só o teu botão ficou sem casa.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Na cama de solteiro

- Quando eu morrer, do que tu vai sentir falta em mim? 
- Teu ombro
- Sério? Tanta coisa pra dizer e tu vem com isso.
- Cala a boca. Esse é com certeza o melhor lugar do mundo pra repousar minha cabeça. É o meu preferido. Além de descansar, ainda ganho carinho das tuas mãos e  beijinho na testa.
- Eu vou sentir falta de alguém pra responder minhas perguntas aleatórias. Alguém que me responda com esse sorriso teu. E também do jeito que você fica quando erra a música que tá cantando. Fica toda bonitinha enrolando, fingindo que sabe a letra.

domingo, 16 de setembro de 2012

Eu sei de cor

Dia desses, perdida em outro diálogo inventado na cabeceira da cama, fiquei lembrando você. É engraçado esse teu jeito que ri pra tudo. Tu fica desesperada e ri. Quer disfarçar o que errou e ri. Quer fugir e ri. Tu ri até pro carteiro que vive entregando correspondência errada e esquece o teu nome. Tu ri pro mundo mas nunca sorriu pra mim. Tu sequer me olha. 
Se a gente chegou até aqui foi porque eu te trouxe comigo, tu nem quis tentar. Saiu da rodoviária, pegou as malas e jogou no chão, se hospedou ali. Sem espaço pra visitas, um lugar longe de mim, onde eu não posso te tocar. 
Teus livros e teu violão, teus acordes e teus versos. Eu e minha solidão barulhenta demais pro amanhecer da noite. Cansei de te ter sem ter, vou te deixar voar.

sábado, 8 de setembro de 2012

Desligo você

Tantos dias sem chover que até a lua se escondeu. Se ela conseguisse me enxergar lá do alto, provavelmente resolveria migrar pro canto do meu olho. Ou pra debaixo dele. Só do lado esquerdo pois o direito já secou.
Na claridade do abajur a cabeça dá nova chance ao pesar. Talvez os olhos enxerguem melhor quando fechados. Me deito sozinha na cama, ouço as paredes e seus conselhos sobre a menina que tanto acompanhou. Não há quem toque a melodia do fim, a trilha sonora do nosso romance dramático com pitadas de humor desafinou. 
Teu olhar de reprovação e tuas frases feitas me fazem lembrar do início e de como era fácil deitar em você. Até o amarelo claro do teu sorriso me fazia florir. Hoje vejo que o doce mar que carrega em teus olhos é salgado demais pro meu café da manhã.
É como levar um tiro no peito e agonizar por dias sem derramar uma gota de sangue. Seria mais fácil se a metáfora fosse outra.
      
                - Tu acha que a gente vai durar?
                - Acho que a gente não passa dessa música.