terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Autorretrato

A cigarra canta e eu na varanda continuo a fumar. Deslocada, testemunho o vento quebrar na parede e ecoar pelos canos. Os olhos dela permanecem vidrados no celular. Não a culpo, estou trancada no meu próprio mundo. Imersa numa teia de egocentrismo que me impede a aproximação. Já não sei falar sobre o amor, nem sobre qualquer outro assunto. Me sobra tempo, me falta vida. Na verdade o que falta é vontade de viver. Me usam como artefato de espanto, sou assustadoramente vazia. Costumo aparentar apatia, descaso com o sentimento alheio. Sou inofensiva, apesar de tudo. Idealizo pessoas, seus defeitos, conversas e até mesmo decepções. É um exercício rotineiro. Observo e analiso comportamentos. Não pra me sentir superior (me falta autoestima pra isso), o faço pra tentar entender um pouco mais a respeito dos que me cercam e a mim. Fujo de interações sociais, prefiro ser espectadora ou mera vírgula em histórias diversas. Meu único trunfo é escrever. Escrevo porque gosto, não por obrigação. Não espero que alguém leia e se identifique com isso. Escrevo porque foi essa a maneira que encontrei pra esvaziar. E é sempre bom desabar num caderno amigo.