quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Deixa o domingo se perder

Levando noite inteira a dentro, tua vida terá gosto de cerveja quente. No teu cinzeiro, o que sobrou? Vão tentar te apagar, seja forte. Faça com que as cinzas se espalhem na sala de visitas, assim tuas memórias não viverão só em mim.
Acorda e vai buscar na geladeira o café da manhã: metade da maçã que escolheu ontem a tarde. Chinelos trocados e cabelo bagunçado, roupa do avesso e olhos pregados. Esqueceu que acordando tão cedo assim vai ter de fazer o almoço. 
Onde dá pra medir a felicidade? Achei que dava conta de contar teus sorrisos, porém a mágoa roubou a gargalhada das gargantas e não sei se o canto da tua boca conta como alegria ou se é disfarce pra enganar a solidão nos dias ruins.
Toma cuidado com esse mar escondido na tua pupila, tá transbordando, não deixe secar. Tome esse remédio que o médico me receitou. Acho que é pra ser feliz.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Os olhos verdes das noites de verão

Dentro desse tempo morno carícias são difíceis de sentir. O pêlo do braço não arrepia mais, o suor na testa desfila pelas rugas do rosto. Teu sobrenome não casou com o meu, não rima. Foi feito na forma de outro cartório, pra outra certidão.
Se você vier, chegue cedo. Sem dor, com a palidez da cor e sem contas pra pagar. Traga abrigo pros olhos secos, trague um cigarro e me jogue pra longe. Seja encruzilhada, desate os nós feitos de nós. Erga a cabeça e me faça mansa, me faça acreditar na sua tempestade de otimismo. Tire as amarras que te cercam, leia mais pro teu cérebro não parar. Não se deixe enganar, é fácil se perder em falsas crenças e promessas de pacote fechado.
Mas se te levanta o ego, me ajoelharei no milho pra pagar penitência. Se te fará correr, gritarei tuas migalhas aos quatro ventos. Serão quantos corpos até tua boca encontrar o meu?
É sagrada minha angústia pelas curvas do quarto esperando de luzes apagadas a contagem regressiva. Você vem ou não?

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Descendo a escadaria do morro

Olhei pro lado e a vi chorando de rir. De imediato não entendi por que havia tanta alegria contida nas lágrimas que vinham do sol. Daí então foi que eu percebi: não era sonho, a terra apenas tinha esquecido de girar. Caminhava lenta como dia de domingo.
Perguntei o motivo de tanta graça e ela respondeu: "São os labirintos dos poetas o meu maior objetivo. Você não vê? Meu romance ainda há de se escrever." 
Os lábios pequenos da menina de agasalho amarelo se abriam e fechavam sem fazer sentido, ainda assim, cismei em compreender. Disse: "Quem te escreverá? Além da cor de tuas vestes, sua insignificante existência nada tem a contar." A pequena criatura de mar nos olhos, sorriu: "Tu me escreverá por vários contos na cabeça antes de me tornar livro. Tu irá me procurar por entre casas e flores, com violão e vinil do Cazuza. Tu que me despreza, tu que já me amou." 
Nunca antes meu caminho cruzou o dela, mas a nudez de sua voz me fez tremer. Com o polegar direito me acariciou o rosto, saiu descalça, dançando na ponta dos pés. "Não quero sujar o calcanhar" gritou.