sexta-feira, 1 de abril de 2016

Blurryface

O mundo se esqueceu de mim e por mim tudo bem. Prefiro a escuridão do esquecimento a ser lembrança triste. Prefiro que não me vejam a ser objeto de pena e simpatia forçada. 
Sou filho do mundo e ele me esqueceu, foi comprar cigarro e não voltou. Minha voz é ruido, meu corpo inexistente. Queria ser poesia e hoje sou descaso. Sou um fantasma que esqueceu de morrer. 
Já andei por todas as ruas da cidade, sei os nomes e atalhos todos de cor. Sei de cada buraco, semáforo quebrado e casa abandonada. Sei de abrigos pra me esconder da chuva e de um lugar onde quase dá pra tocar o céu. Sobre mim eu sei dos devaneios em que me perco, que não uso camiseta ou sapato e que não como há algum tempo. Sei mais sobre a cidade que sobre mim, não sou lá digno de muitas palavras.
De longe avisto quem mais tarde me tirará a vida. Lá estão meus salvadores, tão jovens e tão cruéis. Lá vem eles, prontos pro abate. Poderia correr ou tentar me esconder, mas não tenho medo do fim e nem motivo pra continuar aqui.
Meu pé não tem mais sola, por onde passo o chão me rouba um pedaço. Devolvo com sangue e saio pintando as ruas de vermelho. Observo os lugares e as pessoas, penso em suas histórias e se em alguma esquina trombaram com a minha. Não lembro se peguei alguma curva errada ou se foi linha reta. Faltam alguns pedaços da memória de quem fui. 
De qualquer modo, não queria que acabasse assim. Não por socos e pauladas de desconhecidos. Não pela covardia alheia. Não sou herói mas também não valho assim tão pouco. Não queria ir embora por mãos de outros, mas morte não se escolhe, né? Ouço as risadas e piadas que contam enquanto me livram do fardo da existência. Não são criativas, muito menos engraçadas. Acho que isso deve fazer parte do processo de tortura. 
Sempre pensei sobre como iria morrer, desejava que fosse dormindo pra não sentir tanta dor. Hoje, ainda que acordado, não sinto nada além do vazio deixado por quem amei e foi embora ou pelos que abandonei. Já não me resta ligação alguma nessa terra, o meu estado é o de passagem.

Um comentário:

  1. Incrível que depois de anos sem entrar aqui a primeira coisa que leio descreve completamente como me sinto neste exato momento.
    Seus textos são ótimos, nunca pare.

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