sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Ecoa como as correntes

Teu filho urra de prazer e você o amordaça. Nega o sentido do existir, faz gozar sangue novo, ralo, vermelho fraco. Medo escorre por sua garganta e grita no escuro. A madrugada é perigosa, ela pode matar.
Guarda os recibos no bolso interno do paletó, conta os números, desconta os erros. Arrasta os pés pelo chão pra causar alvoroço, mas seu jeito maltrapilho não causa comoção. Se tornou invisível, seu berro abafado. Conserva num pote os retalhos do coração que já bateu.
Logo depois da manhã, o sol sai do esconderijo pra te queimar e você nem nota a podridão dos teus ossos. Em cada milímetro de teu corpo a cólera dança. 
Organiza a ceia de latas amassadas e braços dilacerados em companhia dos pequenos abandonados no centro do desassossego. Trancafiado no porão, criado e amante, não vê a luz do dia, não alcança a sombra do desapego.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Procurando teu resto na camiseta azul

Esta noite quero ficar sóbria e não sentir as mãos, deixar o vento controlar meus movimentos e tropeçar na beira da calçada. Vou despencar do precipício. Pular da ponte e me afogar na garrafa de cachaça. Ficar sóbria sem sentir o beijo.
Dizer o nome errado, olhar por cima do ombro a briga na casa vizinha. Aprender alemão e ir ao pub dormir em cima da mesa. Ficar sóbria e só beber uísque. 
No almoço de domingo acompanhar legendas dos corpos mundanos, do peito fechado e pupila dilatada. Desinteresse na segunda, desespero, carteira vazia e boca a mastigar. Pra ficar sóbria e não enxergar no espelho o rosto. O uivo descontrolado do cão acorrentado é ensurdecedor. 
Vou ficar sóbria, pois não senti tuas unhas me rasgando a roupa, arranhando as costas ou puxando meu cabelo.

Posso lhe oferecer um café?

Tomei overdose de chá verde e vi o pássaro me vigiando do alto, audacioso com suas asas, vagando por outros mundos. 
Deixe de lado toda essa pose, puxe a cadeira e se sente comigo, vamos conversar sobre a primeira guerra mundial. A casa tá uma bagunça, os móveis fora do lugar, a dispensa vazia e as portas do armário não fecham. Tuas coisas estão na caixa com teu nome grudado. 
Te dou de presente o filtro do cigarro que usei pra evaporar vestígio teu. Saiu do pulmão como um grito de dor que cicatriza antes que se note. Meu bem, não há como imitar o balé das árvores. Pra cá, gira de lado, pra lá, meio passo pra esquerda, uma volta inteira sem par. Não dê ouvidos ao som das cordas.
Me tornei garoa fina, sem trovão que te faça esconder embaixo do edredom. Calmaria pra procissão de velas brancas.

Pra te livrar das paredes brancas

Sonhos foram feitos para viver, não pra guardar no travesseiro. É pra te libertar da rotina, da escravidão atrás das mesas de escritório, do ônibus lotado nos horários de pico, da cara ensaiada feita num molde e vendida as dúzias. 
Guarda a alma no cabide escondido no fundo do guarda-roupa, ao lado do vestido que nunca quis usar. O que aconteceu com a sinfonia de tua infância? Teu perfume era cor-de-rosa e tinha cheiro de livro novo. Sua vida se resume em páginas dobradas pra repousar a covardia.
Cresceu e nem ao menos aprendeu a tocar violão, deixou dias secos roubarem sua essência. Não admite o pôr do sol, não ultrapassa a porta do quarto. Anota os recados do calendário na vidraça, proíbe o coro da imaginação que vem em duo. 
Amanhã é o fim do mundo e o que você deixou se não um punhado de desculpas?

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Nove meses num dia só

Prendi o gosto pela leveza do teu embaraço de passos, trancei teus lábios doces e febris em meu arrogante aroma. Nossos corpos unidos pelo laço dos braços em comunhão.
Te guardo do mundo, a protejo de toda adaga atirada por olhos invejosos na esquina do fim. Te sinto em cada arrepio dos dedos dançantes na briga suave dos teus medos junto aos meus. Busca por território.
Rabisco teu nome num pedaço da pele que é pra garantir presença todo segundo do dia.
Dá pra se fazer poesia com a asa do inseto na flor. Dá pra se fazer poesia da tua costela, e dos pontilhados que a caneta deixa na mão. Tudo deixa de ser patético quando se apaga a luz do abajur na mesa de cabeceira. Amor, poesia é feita do nosso ardor.
Meu casaco marrom pendurado atrás da porta, guarda-chuva pros dias de temporal. Parte minha é teu abrigo pra quando o céu acinzentar.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Deixo a parte ruim pra você esquecer

Meus olhos embaçados por não conseguir piscar fazem pouco caso das besteiras no jornal. Deito no verde escuro da grama coberta por areia e só faço pensar no natal. A fumaça sai da boca e eu não sei se é frio ou poeira da alma. Ou se é a calma se esvaindo.
Sinto a ponta do meu coração pulsar na garganta feito remédio ruim que amarga a boca. Sinto pelas doses injetadas no pulso deixarem cicatrizes como as bobagens que ouvi. Rezo pro silêncio ouvir meus segundos de insanidade. Não há em que acreditar já que a tua mão me soltou. 
Ao pular da ponte em seis de abril, a transparência do rio de barro pode me esmagar, fazendo jus ao drama que vivencio. Pra deixar o cansaço do cotidiano se perder nas margens.
Mas não há sequer uma ponte que ligue nossos estados, não há divisa entre teu ponto alto e a minha depressão. Só o que existe é o verso que faz graça com a vontade, e o orgulho que cala a saudade ao preferir a insônia.